Para salvar a Praça Roosevelt


Por Márcia Abos (marciaabos@gmail.com)

Ao ouvir as palavras de ordem dos assaltantes que invadiram o Espaço Parlapatões na madrugada de sábado, mandando todos se deitarem no chão, Mario Bortolotto teria respondido: “Ninguém vai assaltar ninguém aqui”. Imagino a cena e me assombro com a coerência deste grande artista. O dramaturgo, diretor, ator, músico, escritor e poeta é de uma coerência rara. Jamais fez concessões em sua arte, tampouco na vida. A reação de Mario a um absurdo assalto em um teatro (alguém já ouviu falar de tiroteio em teatro?) diz muito sobre ele, que pagou um preço alto demais por ser fiel a si mesmo: foi alvejado por quatro tiros, alguns deles em órgãos vitais. Ninguém que o conhece duvida de sua recuperação. Ouve-se na praça amigos dizendo: “ele é um touro, um búfalo, vai sair dessa logo”. Vai sim, mas a tristeza e a dor que se abate sobre artistas e frequentadores da praça precisa de consolo.

Há dez anos teve início o processo de revitalização da Praça Roosevelt. Não, a praça não virou um local habitável e cheio de gente por decreto. Começou com Os Satyros que decidiram abrir um teatro no local. Mas ninguém ia até a praça, espaço na época dominado pela criminalidade. Era um lugar sinistro, que metia medo até nos artistas que iniciaram o processo. Mas eles logo entenderam que a praça poderia se transformar com uma injeção de vida. Colocaram uma mesinha com cadeiras na calçada, um convite para um bate-papo. Por muito tempo essa mesinha ficou vazia. Mas era um gesto simbólico, eles sabiam que não podiam recuar. E acertaram. O tempo provou que a praça pode ser ocupada pela paz, por muita alegria e uma ebulição artística sem igual. Demorou, mas a praça tornou-se um local digno deste nome, onde gente de todo tipo se reúne para ir ao teatro, trocar idéias, criar. A Praça Roosevelt é o que temos de similar a Ágora grega, um espaço livre e público.

Mas a tragédia que se abateu sobre a nossa praça na madrugada deste fatídico dia 5 de dezembro de 2009 é também sintoma de um retrocesso na revitalização que começou com uma mesinha na calçada. Há três semanas não existe mais nenhuma mesinha na calçada. É proibido. E a vida parece estar se esvaindo. Muita gente continua a ir aos teatros, mas terminada a peça eles se vão. Acabou o alegre burburinho antes e depois dos espetáculos, acabou a alegria de quem pode ver em uma noite duas peças diferentes e aproveitar os intervalos para filosofar.

Triste constatar, mas este é o caminho para transformar os teatros da praça em algo parecido com o que foi o vizinho Cultura Artística ou como é a elegante Sala Julio Prestes. São lugares de passagem, uma espécie de oásis das elites no meio de um entorno totalmente degradado. Quem vai à Sala Julio Prestes chega em seu carro blindado e com vidros negros, desce na porta escoltado por seguranças, evita olhar para os lados e ver os ‘nóias’ e entra para ouvir as mais lindas e bem executadas sinfonias. Acabado o espetáculo, a saída é ainda mais rápida que a chegada. O jantar, o cálice de vinho, a cerveja são consumidos bem longe dali, no Itaim, nos Jardins, na Vila Olímpia (ou qualquer outro bairro onde é impossível lembrar que existem moradores de ruas, drogados e mendigos em São Paulo).

Ninguém que conhece a Praça Roosevelt acredita que a arte que se cria ali pode sobreviver sem o oxigênio de um entorno vivo, que se alimenta e é alimentado pelo teatro. Portanto, convoco a todos a estarem na praça. Nossa presença é a única coisa que impede a sua degradação. Certo, é proibido mesinha na calçada. Juntos talvez seja mais fácil derrubar o decreto que as proíbe, este sim capaz de destruir nossa ágora. Se a revitalização da praça não aconteceu por decreto, sua degradação pode ser consequência de um decreto exdrúxulo que proíbe singelas mesinhas na calçada. E enquanto não pudermos ter mesinhas na calçada, estaremos lá, nos teatros, em pé, sentados no chão, andando de um lado para o outro…

P.S. Em tempo, na noite deste domingo, 21h, os Parlapatões organizam um ato para a recuperação de Mário Bortolotto e em repúdio à violência. Vamos lá? Leia a convocação no ParlapaBlog

7 Respostas to “Para salvar a Praça Roosevelt”

  1. Concordo plenamente! Saí de SJCampos, para estar na praça, neste sábado. Assisti a duas peças. JUSTINE e 120 DIAS … , dalí fui pra Casa das Rosas, onde fiquei até às 05h30.
    Fui porque percebo, que não podemos deixar o movimento da praça parar. Fui para ser um a mais na Resistência. Realizei meu objetivo. Estava alí!!! Foi triste ver a porta dos Parlapatões, fechada!

    Estarei sempre que puder na praça, por quê, “busco a arte para me recompor!”

  2. Marcinha Says:

    É necessário resistir, e não se esconder da violência… Infelizmente precisamos de fatos como o de ontem pra tomarmos atitudes.

  3. Lindíssima reflexão sobre o teatro que nos tiram. Não é só a peça, o espetáculo. Esses continuam nos teatros da praça e da cidade, em geral. Mas o usufruto, o tomar conta do espaço, isso está sendo tirado não só pela violência como por leis canhestras, cinzentas, baixadas por governantes que se dizem amantes das artes.
    Bortolotto foi mais uma vítima da violência, da reação ao assalto, da absurda fragilidade com que enfrentamos a horda furiosa.

  4. Maurício Says:

    Oi à todos,
    Fiquei chocado com o que aconteceu. Sim concordo plenamente, precisamos retomar essa cidade. Ela é nossa, com praça Roosevelt e tudo!! A política do medo e do carro blindado é uma bosta.
    Proíbem mesas na praça Roosevelt, mas em Pinheiros vc pode sentar numa mesa até no topo da árvore, no telhado. Em Pinheiros as ruas foram tomadas por barraqueiros e farofeiros de toda espécie, um bairro onde todos os moradores venderam as casas pra bares, pq simplesmente ficou inabitável. Piada…

  5. eu acredito que quem deveria ficar engaiolado sao os bandidos que circulam livremente pelas ruas de Sao Paulo, completamente noiados e sem a menor noçao de respeito, limites, etc.. e nao os frequentadores de um dos unicos espaços culturais a ceu aberto e de real acesso a todos…. ( inclusive os noiados supra citados) que vao a pça para se divertir, se carregar culturalmente e realaxar apos ums semana estressante de trabalho arduo, seja em empresas, escolas, ou mesmo com a arte.. esse espaço, nao so deveria ser respeitado e liberado para nos, como deveria ser segurado pelo poder publico que pouco tem feito pela cultura popular desse país.. so se tem segunrança para eventos para as classes mais abastadas.. adorei o post. e vamos lutar.. com unhass, dentes, figurinos, make ups e o que mais nos for disponivel..

  6. Me alegra ver que ainda se luta contra a violência! Me alegra ver que ainda se luta a favor da cultura!

  7. Olá Márcia,
    que bom ler seu texto, ver gente escrevendo com tanta clareza e beleza sobre um processo tão importante… não há melhorias possíveis para qualquer espaço da cidade sem pessoas que tenham a coragem de permanecer olhar de frente para os problemas.
    Torcendo pela recuperação do Mário, e por desdobramentos dessa história que possam só representar mais vida e menos burocracia mesquinha na praça.
    Abços
    Lilian

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